(Parte 2) Engenharia de Requisitos: as interações entre pessoas no contexto das máquinas

(Parte 2) Engenharia de Requisitos: as interações entre pessoas no contexto das máquinas

O cenário atual e futuro

Conforme discutimos no artigo anterior, a evolução humana tem sido caracterizada por grandes ciclos ou ondas. Com base na no progresso da tecnologia, Toffler [1] identificou três ondas revolucionárias: a agrícola, a industrial e a da informação. Os meios de produção e o domínio dos  conhecimentos e ferramentas necessárias para cada onda também foram acompanhando ou impulsionando esse desenvolvimento da sociedade. As ondas evolucionárias podem classificadas em um outro estágio:  o paradigma da Indústria 4.0 .

Nessa visão, a primeira revolução industrial foi baseada no emprego do ferro e do carvão para apoiar a  produção [2]. A segunda, está apoiada na energia elétrica e no petróleo, enquanto que a terceira está fundamentada na tecnologia da informação e comunicação para acelerar a produtividade. A denominação Indústria 4.0 surgiu com a busca de um desenvolvimento mais competitivo indústria alemã integrando-se ao projeto High-Tech Strategy 2020 for Germany [3]. Essa nova revolução industrial está baseada nos sistemas ciberfísicos (CPS) para gerar fábricas inteligentes (smart factories). Nelas as decisões são descentralizadas, em tempo real, empregando a Internet das Coisas (IoT) para a comunicação como parte de uma cadeia de valor.

Acompanhando o movimento em direção à Indústria 4.0, aprimorou-se a proposta de cidades inteligentes (smart cities), onde toda a tecnologia é direcionada para o aprimoramento da infraestrutura urbana, conferindo aos moradores das cidades uma melhor qualidade de vida. esse cenário é caracterizado pelo movimento da urbanização com a concentração da população em grandes centros e pela revolução digital [4]. As Tecnologias de Informação e da Comunicação (TIC) viabilizam uma hiperconectividade que vai além das pessoas, também articulando sistemas inteligentes com comunicação entre as máquinas. A Figura 1 permite visualizar  esse movimento.

Figura 2. Tendências que impulsionam as smart cities. Fonte: Cunha et al. [4]

Como resultado, a tendência é ter-se uma sociedade mais colaborativa e uma sociedade mais participativa. Com esse entendimento, o Japão trouxe o conceito de  Sociedade Super Inteligente (Super Smart Society 5.0). que utiliza toda essa evolução tecnológica [5]. Visa beneficiar a sociedade e resolver seus problemas por meio da incorporação da quarta revolução industrial a uma avançada e disciplinada cultura. A iniciativa japonesa da “Sociedade 5.0” visa a criação de uma sociedade sustentável, voltada para  a segurança e o bem-estar humanos por meio de um sistema ciberfísico [6].

Pode-se perceber um processo evolutivo (Figura 2) onde saímos de uma sociedade nômade e caçadora (1.0), para uma sociedade baseada na agricultura (2.0), passando pela sociedade industrial (3.0) e pela sociedade da informação (4.0). O paradigma da Sociedade 5.0, baseada na geração de inteligência entre a sociedade física real e as sociedades artificiais virtuais [7]. As TICs devem estar direcionadas para oferecer aos membros da sociedade a participação de assuntos públicos em qualquer tempo e lugar. A articulação direta entre o cidadão e o governo não apenas incentiva a participação como ajudam a construir uma estrutura social com o foco no ser humano [7].

Figura 1: A Evolução da Sociedade. Fonte: Keidanren [8]

Desafios para a Engenharia de Requisitos

Para viabilizar essas propostas, encontram-se vários fatores-chave para o sucesso , como os Cyber-Physical Systems (CPS), Internet of Things (IOT), Additive Manufacturing, Digital Manufacture (Simulation), Smart Factory, Big Data e Analytics, Cloud Computing, Digital Security e Advanced Robotics) [2]. A implantação desses fatores está baseada em uma Engenharia de Software inovadora e em métodos que muitas vezes terão que romper com modelos consagrados.

A Engenharia de Requisitos também vai ter que dar respostas diversificadas em relação às práticas tradicionais. Tratam-se de suportar os sistemas de engenharia que irão colaborar com os seres humanos a atingir novos desafios sociais, incorporando as inovações da 4ª. Revolução Industrial para construir uma Sociedade com novos valores e serviços a favor de uma vida de pessoas forma adaptável e sustentável [9]. Antigos desafios da ER devem receber prioridade como a de gerar sistemas onde as pessoas não estejam se adequando à força determinística dos sistemas. Ao contrário, os sistemas devem se adequar às novas demandas sociais.

Alguns requisitos não funcionais (ou de qualidade) já tem sido apontados na literatura, o que pode direcionar as investigações sobre novos processos na ER. Foi identificado [10] que para apoiar as cidades inteligentes baseadas nas tecnologias da Internet das coisas (IoT) os sistemas de informação devem considerar: a heterogeneidade, a autoconfiguração, a extensibilidade, a conscientização do contexto, a usabilidade, a segurança e proteção de privacidade, bem como a inteligência. Entre outros aspectos, os autores chamam a atenção para um novo desafio: a Internet de Pessoas com base em tecnologias IoT com sistemas que viabilizem seres humanos interagirem com tantas coisas ao mesmo tempo. Como consequência, a Internet das Pessoas deve adotar uma nova forma de conexão dos humanos com a tecnologia, com interfaces mais naturais e sistemas menos invasivos [11].

As aplicações na IoT devem também  estar atentas à otimização dos requisitos não funcionais. O  maior desafio no projeto de sistemas de Internet das Coisas [12] é atender a vários requisitos não funcionais que exacerbam esses desafios de projeto, tais como tempo de vida, confiabilidade, taxa de transferência, atraso, concorrência, consumo de energia, interoperabilidade e confiabilidade. Essas características devem ser levadas em consideração não apenas no desenvolvimento da aplicação como também no modelo de especificação e gerenciamento dessas necessidades.

Diante de todo essa realidade, torna-se evidente que a IoT  tem um impacto direto sobre o desenvolvimento e nos modelos de negócio do software. Da mesma forma, a Engenharia de Requisitos, portanto, deve estar pronta para dar respostas às demandas de um novo cenário.

Mais do que espaço, existe a necessidade de investigar a adequação das atuais metodologias da Engenharia de Requisitos para oferecer respostas acertadas às exigências dos sistemas de informação apoiados pela Internet das coisas, no contexto da Sociedade 5.0.  Este, portanto, tem sido o foco dos nossos estudos e pesquisas.

 

Referências

[1] TOFFLER, A. A Terceira onda. 31. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.

[2] MOTA, Patrick; MARIANO, Ari Melo; MONTEIRO, Simão Borges Simão. Taxonomia da Indústria 4.0: contribuições teóricas e práticas para um novo cenário. Preprint. Disponível em https://osf.io/vawmx/download/ . Acesso em: 10 nov. 2018.

[3] KAGERMANN, H.; HELBIG, J.; HELLINGER, A.; WHALSTER, W. Kagermann, Henning, et al. Recommendations for implementing the strategic initiative Industrie 4.0: securing the future of German manufacturing industry. Final report of the Industrie 4.0 Working Group. Forschungsunion, 2013.

[4] CUNHA, Maria Alexandra; Przeybilovicz, Erico; Macaya, Javiera Fernanda Medina e Burgos, Fernando Smart cities: transformação digital de cidades / Maria Alexandra Cunha,. – São Paulo : Programa Gestão Pública e Cidadania – PGPC, 2016.

[5] i-SCOOP. From Industry 4.0 to Society 5.0: the big societal transformation plan of Japan. Disponível em: https://www.i-scoop.eu/industry-4-0-society-5-0/ Acesso em: 28 nov. 2018.

[6] YOSHIHIRO, Shiroishi; KUNIO, Uchiyama; NORIHIRO, Suzuki. Society 5.0: For Human Security and Well-Being. Computer, v. 51, ed. 7, pg 91-95, jul. 2018.

[7] WANG, Xiao.; LI, Lingx; YUANG, Yong; YE, Peijun; WANG, Fei-Yue. ACP-based social computing and parallel intelligence: Societies 5.0 and beyond. CAAI Transactions on Intelligence Technology, v. 1, n. 4, p. 377-393, 2016.

[8] KEIDANREN. Japan Business Federation. Toward realization of the new economy and society. April 19, 2016 Disponível em https://www.keidanren.or.jp/en/policy/2016/ 029_outline. . Acesso em: 10 nov. 2018

[9] ABENOMICS. The government of Japan. Realizing Society 5.0. Disponível em https://www.japan.go.jp/abenomics/ Acesso em: 25 nov. 2018.

[10] HUI, Terence KL; SHERRATT, R. Simon; SÁNCHEZ, Daniel Díaz. Major requirements for building Smart Homes in Smart Cities based on Internet of Things technologies. Future Generation Computer Systems, v. 76, p. 358-369, 2017.

[11] MIRANDA, J; MAKITALO, N., GARCIA-ALONSO, J.; BERROCAL, J.; MIKKONEN, T.; CANAL, C.; MUIRLLO, J. Murillo, From the Internet of things to the Internet of people, IEEE Internet Computing. 19 (2), p. 40–47, 2015.

[12] NGUYEN, X. T.; TRAN, H. T.; BARAKI, H., GEIHS, K. Optimization of non-functional properties in Internet of Things applications. Journal of Network and Computer Applications, v. 89, p. 120-129, 2017.