Engenharia de Requisitos na lista de compras da minha mãe: empatia e economia

Engenharia de Requisitos na lista de compras da minha mãe: empatia e economia

Até rimou…

Mas o que isso tem a ver com Requisitos? Eu chego lá…

Bem, eu moro com minha mãe, dona Hilda. Ela precisa de atenção constante (idade, doenças autoimunes, problemas de autonomia e muita, muita teimosia). Inspira cuidados, como costumo dizer.

E assim que me mudei para a sua casa (ela não quer sair de lá de maneira alguma…), fui percebendo alguns problemas de gestão na casa. Vários. Mas o que me chamava mais atenção (entenda como “dor no bolso”…) era o desperdício de comida (sustentabilidade e economia zero…).

Eu perguntava o que ela queria que eu comprasse (desde o início, eu faço as compras da casa…) e ela me entregava uma lista com centenas de itens. Sem questionar, ia ao mercado e comprava. E o desperdício continuava, e via o dinheiro indo para o lixo, literalmente.

O que fiz? Comecei a sentar em frente a ela logo no início da semana, e, conforme ela ia falando, eu ia redigindo uma lista de compras. Logo percebi que agia como um analista de requisitos: na medida em que ela ia manifestando suas “necessidades”, eu ia registrando na minha (extensa) lista de compras. Questionava algumas coisas, mas, basicamente, a lista representava o que ela queria. E eu me sentia um profissional competente de requisitos: levantamento, documentação, validação em perfeito alinhamento com as melhores práticas. Yessss…

Entretanto, desperdício diminuiu muito pouco. Precisava mudar de estratégia. Então pensei: “ué, eu não estou propondo uma nova abordagem para a Engenharia de Requisitos? A Visão Empática?”. Por que não elevar o conceito de “empatia” ao extremo para fazer as compras mais adequadas, com zero de desperdício e mais economia? E mamãe de cobaia (perdoe-me, mamãe…).

Não é fácil… Se com um cliente, colocar-se de forma empática para entender o problema que realmente precisa ser resolvido, e não aceitar de forma inquestionável os recursos que habitualmente o dono do processo entende como necessários, já é uma tarefa complicada, imagine com a sua mãe? (teimosa e com a palavra “economia” retirada do seu dicionário há anos…) E do outro lado, perceber a visão do será entregue na visão do usuário, e conceber o produto com funções clara, fáceis, úteis, essa complicação aumenta ainda mais.

Assim, ao invés de saber o que ela queria comprar, resolvi perguntar a ela, toda segunda-feira, assim que chego para tomar café (ela acorda muito cedo para conversar com a empregada as notícias do dia anterior, o capítulo da novela de ontem, etc…), o que ela quer comer durante toda a semana (ah, toda quinta-feira, o cardápio é maior pois todos os netos vão almoçar com ela…).

Nossas vidas mudaram. Meu bolso mudou. O foco passa a ser a sua real intenção de agradar, em primeiro lugar, eu (claro…) e os netos. Não necessariamente nesta ordem. E depois, quem sabe, ela (na verdade, ela come como um passarinho…). Assim, definimos o menu para toda a semana, e as compras passaram a ser os ingredientes desses pratos. Claro, eu vou tentando restringir os pratos mais sofisticados, que envolvem a compra de itens caros (perdoe-me, mamãe, de novo…).

O processo de requisitos envolve uma negociação de requisitos: “é importante?”, “dá pra fazer no prazo?”, “precisa mesmo?”, “por que fazer agora?”. E esse processo de “elicitação”, que vem do inglês “to elicit”, que significa descobrir, deduzir, extrair, é, no fundo, a ação desejada e esperada em todo esse processo.

Quando falamos em “levantar” requisitos, a impressão que fica para o analista de requisitos é de uma posição passiva. Da mesma forma como eu agia quando apenas escrevia a “lista de compras” da minha mãe.

A noção de extração é mais apropriada quando desejamos compreender as necessidades de forma mais consistente. “O que quer que eu compre?” ao invés de “o que você quer comer?”. Não é bem diferente?

Isso é empatia. Visão empática.

Minha relação com dona Hilda melhorou muito nesse aspecto. Ufa.. Mas ainda temos muito que melhorar.

Meu desafio agora é tentar demovê-la de um comportamento acumulador. Vocês sabem do que eu estou falando? Mas isso é assunto para outro papo. Depois eu conto.

Até breve.